INDAGAÇÕES VI




LIMITAÇÕES INEXPLICÁVEIS

Eu vou fazendo o que posso, filho
E o que não posso, não faço
Pois se o fizesse, eu o poderia
E como eu disse, filho
O que posso eu faço
E o que não faço, filho
É por que não posso.
03/01/07

CAPACHO VELHO

Como um peludo tapete branco
De pele de urso com cabeça
Estendido sob os pés do poder perverso
Do capitalismo politicamente incorreto
Que faz riquezas cavando buracos
Na camada de ozônio do planeta
Fico escutando as conversações e acordos
Das cúpulas das poderosas nações desunidas
Sobre a proteção da natureza
Do meio ambiente e da pobreza
Sob a névoa da fumaça dos charutos transgênicos
Expelidas das chaminés poluentes de suas narinas...

Imobilizado, não consigo puxar-lhes o tapete
Nem um abraço de urso, nem um urro forte
Nada mais tenho para os ameaçar
Sou mais um velho capacho, sem esperança
De fazer ou ver o mundo melhorar.
07/01/2007

CINQUENTENÁRIO DA AURORA RUIVA

Já quase um terço do teu caminho, Magda
Temos trilhados juntos a estrada
Mantendo sempre a intensidade nas atitudes
De nossas indomáveis personalidades fortes
E, sobretudo, cultivando o amor e o carinho
E a admiração mútua à pessoa amada

Chegas ao meio século com a virtude
Da autenticidade dos propósitos do seu norte
Segundo os quais me oriento, como seu consorte
Ou seja, como quem teve a grande sorte
De encontrar, numa Ruiva Aurora, a alma gêmea procurada
Que valoriza o amor, a felicidade e os seus
Que se orienta pelos astros para entender Deus
E que faz desta vida semeadura da próxima
Por entender que esta é colheita das vidas passadas

Que seria do meu espírito filosoficamente clássico
Sem a tua alma esotérica?
Que seria do meu lunático espírito poético
Sem a memória prodigiosa do seu senso prático?
Que seria do meu espírito calado
Sem o teu falante kit de multimídia sempre ligado?
Que seria de mim sem você?...

Parabéns a você, amor meu
E muito e muitos anos de felicidade
Partilhados neste caminho meu e teu
Deus queira, até a última idade, deixando rastros
Como deve estar, desde sempre, escrito nos astros.
07/01/2007

LUTO TECNOLÓGICO

Ninguém compreendeu a minha dor
Quando, após anos sem uso, constatei
Com grande pesar que o meu Hioki-AF105
Não dava mais sinais de vida, de tensão
Nem de corrente, mal e mal indicava continuidade
Uma tênue resistência elétrica em sinal de despedida.

Com este antigo companheiro de ofício, desde a escola técnica
Por mais de três décadas realizei minhas investigações científicas
Efetuando medições das grandezas físicas em dispositivos modernos
Tais como válvulas, transistores, tiristores e circuitos integrados
Na minha busca de compreender como o mundo funcionava...

Na última década enveredei para a investigação filosófica
E eventualmente só media tensão de eliminador de pilhas
De tal maneira que ficou-me um complexo de culpa
Por poder se tratar de morte provocada por abandono de cuidados
(Quem sabe o suicídio de uma inteligência artificial?)
A do meu velho e bom aparelho de multiteste de medições elétricas.
18/03/2007

DOSAGENS DE POESIA

Uma das minhas doses diária de poesia
É aplicada na cama, antes de dormir
Direto na veia, para eu entrar em estado de sonho
Querendo desacordar logo para no sono fugir
A minha outra dose diária de poesia
A consumo de manhã cedo em jejum na cama
Antes de comer uma banana com copo dágua
E de alongar-me numa ginástica antes do banho
Esta minha dose diária de poesia
É antes de alimentar os cães e os gatos
Antes até de alimentar-me com café com leite, pão e margarina
E principalmente antes de intoxicar-me com as notícias do jornal
A minha dosagem diária de poesia
É parte de longos tratamentos homeopáticos
De duas em duas páginas, que é para virar a folha
De um volume de obra completa de um poeta prescrito
A minha dosagem diária de poesia
No ano passado foi o Ferreira Gullar, neste é o Mário Quintana
Para o ano que vem já estou me receitando Fernando Pessoa
Se encontrar a medicação na dosagem certa na próxima Feira do Livro.
29/03/07

O BRUXO

Sexta-feira 13...
Abril...
Meia-noite...
Medo...
Lua cheia...de mim
Há 53 anos minguando
Neste feitiço da longevidade
Rumo ao eclipse total.
13/04/07

CIRCULARIDADE

As notícias dão conta
Que o mundo continua girando
Redondamente enganado
Pelas notícias sem conta
11/07/07

O ETERNO RETORNO

Não desfaça tanto da rotina
Pois deve também ser importante
O repouso em uma rotina domesticada
Para aliviar o cansaço da criatividade
De quem sem rotina lapida cada dia
E faz do seu dia uma inovadora obra de arte
Ao qual pudesse querer retornar eternamente
E reviver infinitas vezes a perfeição de cada dia seu
Rotineiramente em grande estilo, sem ressentimentos
Aceitando a inocência do futuro como um “amor fati”
Que valoriza a vida como única no aqui e agora
Conforme loucamente preconizava Nietzsche
Com o seu martelo de destruir ideais transcendentais.
30/07/2007


AS PEDRAS E OS GRÃOS

(Inspirado na penúltima cena do filme “Eles não usam blacktie”)

Meditar não é refletir
É o seu contrário
Refletir é pensar profundamente em algo
Meditar é profundamente não pensar em nada

Refletir é como escolher feijão
Separar o que é pedra do que é grão
Descartando junto os grãos petrificados
Pra evitar quebras de dentes na mastigação
Preocupado com os riscos e com tantos cuidados
Refletir é como nem saborear a mera alimentação

Meditar é como comer feijão
Degustando a textura, o cheiro e o sabor
Sentindo o sistema digestivo dissecar cada grão
E absorver em êxtase e fervor a energia liberada na digestão
De olhos fechados e arriscando quebrar os dentes
Com as pedras que não foram detectadas pela reflexão

Na vida, porém, precisamos de todos os opostos
Pois somos feitos de alegrias e tristezas
Pesos contrários de uma balança de equilíbrio
Que depende tanto de nossas meditações reflexivas
Quanto de nossas reflexões meditativas
Por menos impurezas que haja no feijão
E por mais saboroso e nutritivo que seja o grão.
02/09/2007

OPÇÕES DEMOCRÁTICAS

Depois do “roubo, mas faço” do Maluf
(E tantos outros adeptos das malufices na moita)
Só nos resta o “nada faço, mas não roubo”
Dos tantos que inspiram confiança tipo Simon e Paim
Para escaparmos do baixo clero aos moldes do Severino Cavalcanti
Dos muitos que nada fazem e tudo roubam, extorquem e subornam
E dos piores, como Renan Calheiros e demais embusteiros
Que são sem fim...
26/09/07

DARWINIANO

Encontrei o elo perdido
No evolucionismo ao humano
Do mineral ao vegetal e ao animal:
As borboletas são flores
Que apreenderam o voar das cores.
18/10/07

ENCURRALADO

R e f l e t i d o o d i t e l f e R

&
S b
O a
T i
L x
Entre A o
S

i i a d
V m p c n o

Até e
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c
o
r
r
e
g
a
r



o
amor-teu...
ou
a morte’eu...

28/10/2007

EU BEIJA FLOR

Hoje entrou um beija flor
pela minha janela
se assustou comigo
(que não sou flor que se beije)
se debateu contra o vidro
até achar a fresta de saída
e vôo pro azul do infinito...

Eu continuei cá aflito
a procurar
a minha fresta
pra escapar
desta minha cela de vidro...

Aconteceu hoje comigo
não é ficção
hoje entrou um beija flor
pela minha janela
pra fazer sua anunciação...
04/11/07

QUINTAIS QUINTANEIROS

Captar os tantos sapos e grilos
Que povoam os versos do Quintana
Pressupõe uma experiência de vida
Em que de fato tenha havido banhados
Nas vizinhanças da infância do leitor
Já para captar as estrelas e anjos
As nuvens, espelhos e as luas refletidas
Que pairam nas páginas de seus livros
Pressupõe apenas ter havido infância
E ter sobrevivido algo da Lili de cada um
Algo da criança que vivia a poesia
Em seu estado de pureza natural
Sem saber...antes mesmo de ler e escrever.

Quintana pressupõe memórias de quintais baldios na infância.
06/11/07

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