INDAGAÇÕES V



Da Filosofia Primeira

Comentário ao filme “Amor além da Vida”

É quando a desgraça se abate intensa
E destrói todas as fortalezas
Dos egos e posições sociais
Que se mostra do ser a essência
E se coloca a questão da filosofia necessária
Para responder o que, como, porque e para que somos
Se é verdade que somos o que pensamos ser
Ou que pelo menos indague racionalmente
Se é possível haver uma tal verdade absoluta
E que justifique com uma ciência metafísica
O inerente misticismo e a conflitante religiosidade humana.
15/01/2006

A origem do agora

O caminho se constrói é caminhando
É passo a passo que se faz cada caminho
O caminho nunca é pronto nos dado
Para quiçá incluirmos nele o sonho acordado.

O caminho é o viver do agora
O agora que será o antes
E que já foi o depois de agora:
O tempo é o caminho feito de “agoras”.
(O presente é infinitesimal entre o antes e o depois)

A dúvida é saber se é o passo anterior
Que determina o passo seguinte
(Se é o passado que determina o presente)
Ou se é o passo seguinte a razão final
(Se o presente está determinado por um destino)
Ou se é o livre arbítrio da escolha de cada passo
(individual, tribal, nacional, continental e global)
Que determina que assim caminhe a humanidade?
03/02/06


PRÉVIAS LIBERTÁRIAS

Neste verão de 2006, de extraordinário
Tomei uma garrafa de conhaque Domecq
Em acompanhamento às cigarrilhas Talvis
Salguei o saco no norte da ilha de Floripa
Mas, sobretudo, gozei trinta dias de férias
E o maior tempo fiquei em casa, comigo mesmo
Relendo e organizando meus textos jornalísticos
E lendo muito especialmente Borges em espanhol
(Artifícios, El Aleph, El Hacedor e El informe de Brodie)

De saldo concluo que estou pronto para me aposentar
Estou preparado para do relógio-ponto me libertar.
01/03/06

ESTRANHA GRAVITAÇÃO MAGNÉTICA

O amor é um magnetismo
Que mantém orientado
Os pólos que se atraem
E os imuniza de atrações externas

Mas quando no imã do magneto há redução
Passa a haver dispersões no foco de atração
As forças externas desorientam os pólos a seu favor
Despertando novas atrações, até torná-los contrários
Dispersando-os na procura do magnetismo de outro amor

Não confundir esta força com a gravitação universal
Que relaciona aumento de massa com intensidade de atração
Que quanto mais inertes e pesados mais os corpos ficam juntos
Sem o magnetismo do amor, por mera estabilidade e rotina emocional.

Que força estranha é o amor... e frágil
Capaz de surgir do nada e sumir em tudo, às pressas
Que força poderosa é o amor... e ágil
Capaz de mover e travar a vida de todos, às avessas.
05/06/06

RONRONANDO

Como um gato
conseguirei
Um dia
cuspir fora
De pelo
esta imensa bola
Que engoli
fio por fio e fiei
Em ofícios
de ganhar o pão
Que me engasga
e animaliza a emoção.
20/06/06

SOCRÁTICA DE CALCANHAR

Eu sei que sei
Tudo o que sei
Como também sei
Que não sei
Tudo o que não sei
Todavia, eu só não sei
O que é que não sei
Pois se soubesse
Eu saberia tudo
O que sei
E o que não sei
Então eu seria um Sócrates
(Mas jamais um Pelé, digo, um Platão.)
22/06/06

Parreira seca

O quadrado mágico encantado
Entalou na cartola do Parreira
E o encanto “zidanou-se” à francesa
No show do velho Zidane dependurando a chuteira

O brilho do gaúcho melhor do mundo amarelou
A revelação tão esperada do Kaká foi de Kakadas
O gordo Ronaldo parecendo mais a sua imitação pelo Bussunda
Conseguiu a sua taça pessoal de fenômeno: maior goleador das copas

Enquanto o imperador Adriano procurava às tontas o seu império
E o vovô Cafu batia recordes de longevidade no mundial
Roberto Carlos arrumava as meias e o Dida tomava o gol fatal...

Prevaleceu a apatia e a mesmice do técnico à beira do gramado
Que com um time de estrelas milionárias decepcionou
Não por perder, mas pelo time não se empenhar em vencer
Por não vibrar e se arrastar com monotonia de desinteressado
Por ter jovens ascendentes reservas e velhos decadentes titulares
Desta Parreira não saiu uvas nem coelhos, é um pé que secou!

A equipe mais favorita de todos os tempos
(Mais até que a do Zico, Sócrates e Falcão com o Telê)
Estava se achando o máximo, de salto alto nos flashes
Mas o time dos sonhos virou um pesadelo pra quem vê
E queria torcer para vencer até na marra ou perder com garra
Sacaneou, antecipando a volta à vida real, nua e crua, sem magias.
02/07/06

O ELO ÉTICO DA ESTÉTICA

Já não diria que “as feias que me perdoem,
mas a beleza é fundamental”
Apesar de já ter falado
(E as feministas que não se zanguem)
que a feminilidade é o elo essencial.

Mas hoje eu já estou pensando diferente
O belo em cada idade tem a sua estratégia
Pois a estética também tem a sua ética
Pra distinguir da vaidade o falso e o vulgar

É o tempo lapidando o improvável
E liberando a filosófica energia vital
Que é a beleza do olhar e do sorriso
Que é a alegria na expressão corporal
Que é a vibração de um encontro tão preciso
De dois corpos num mesmo tempo e local
Realizando o amor, o elo do valor ético da estética
Revelador da intrínseca beleza poética
De qualquer ser objeto de admiração filosofal.
29/07/06

COMBINAÇÃO INFELIZ

Porque a noite é escura?
Ora, dirias, pela ausência do sol nas proximidades!
Mas se há infinitas estrelas
propagando luz por todo o universo
a noite não deveria ser infinitamente clara
uma vez que as distâncias não cansam a luz?

Assim, analogamente, porque há solidão?
Ora, dirias, pela ausência de alguém ao alcance da mão!
Mas se há bilhões de “alguéns” no mundo
propagando suas presenças e proximidades
os indivíduos não deveriam se sentir partículas da multidão
uma vez que até colidem pela pouca distância entre eles?

Só sei que há solidão e há noite escura:
Combinação infeliz que cansa a luz humana.
21/10/06

MATRIX DE NOÇÕES TRANSCENDENTAIS

A noção materialista de infinito
Gerou as idéias metafísicas da razão:
As figuras de Deus, alma e imortalidade
Em função da aparência de que tudo tenha uma causa
Ou seja, pelo princípio lógico da causalidade

A noção idealista do conhecimento, porém
Nos mostra que tudo são meros fenômenos
Que nem é certo que as coisas de fato existam
Conforme as percebemos pelos nossos sentidos
As coisas em si nos são inacessíveis além do percebido
Como as noções de física quântica sentenciam
Mostrando que a matéria é feita apenas de vazios

As noções de espaço e tempo são do nosso entendimento
Não estão no mundo nem nas coisas em cada momento
São os nossos softwares decodificadores da realidade
Que vão scaneando e convertendo-a para a linguagem racional
Com cujos dados reproduzimos no cérebro numa imagem virtual
Uma realidade conceitual em que vivemos ocupados atrás de grana
Sem noção, mas numa transcendental Matrix kantiana.
04/11/06

MEDIÇÕES FÍSICAS E METAFÍSICAS

Na festa do 19º aniversário do meu filho
Minha mulher, de 1,58m, acrescentou nova medição
Nos registros escritos com lápis na porta da casa
Quando se constatou na nivelação o anúncio trágico
A descoberta do tamanho físico definitivo de cada um
Nem o guri, de 1,73 m, havia apresentado crescimento
E nem a guria, de 1,63m, às vésperas dos seus 15 anos
Havia superado a sua marca do ano passado riscada na porta
Apenas a guria menor, a baixinha de 12 anos de idade
Cresceu de 1,28m para 1,50m com espantosa velocidade
Passando a ameaçar as marcas paralisadas dos irmãos
Pois somente ela ainda tem o tempo a ser favor
Neste aspecto de futuras medições registradas na porta da rua....

Enquanto filmava a cena das medições neste poema
Do fundo da minha infância, como um verso avulso
Subiu uma legenda indagadora que nunca se apagou:
“Que tamanho terei na vida, o quanto vou conseguir crescer?”
E que continua sem resposta, a esta altura dos acontecimentos
Apesar dos meus 1,70m fixados desde o alistamento militar
A conclusão que deixo aos meus filhos como um recado para os orientar:
Viver é descobrir sempre novas formas de se dimensionar e se tornar maior.
10/11/06

DA NATUREZA DE CADA UM

A andorinha voa porque gosta
ou por ser atleta de longa distância migratória
que tem que estar sempre se exercitando
em vôos e manobras em torno do seu ninho
ou, ainda, será por puro exibicionismo
que faz shows de performances com fins eróticos?
13/11/06

BIODEGRADAÇÃO

Deu no Jornal Nacional com filmagem do local
Que foi preso um contrabandista internacional
Portando dentro de um livro uma planta vegetal
O que é crime de biopirataria no amazônico matagal
Que é combatido heroicamente pela brava polícia federal...

Mas, enquanto isto, caminhões e navios de madeira
Escoam clandestinamente a Amazônia brasileira
E os povos da mata, de bobeira, tiram leite do pau da seringueira...
14/11/06

CERIMONIAL DE DEBUTANTES

Abri as portas da minha casa loteada
Com o sótão tomado pelos morcegos defecadores
E o restante destinado aos humanos, não voadores
Para festejamos os 15 anos da minha filha maior

(Em meio às recuperações e exames escolares
Dando graças à esperteza da estratégia adotada
De termos antecipado a comemoração tribal à oficial
Propiciando-lhe um debu de inverno na neve de Bariloche)

Reunindo os familiares em ritual de evento protocolar
Em torno de um bolo de chocolate com morango
Para aplaudir, filmar e fotografar o soprar da vela
Registrando o findar simbólico do ciclo da pureza de donzela...

Ciclo que se reinicia no debutante cerimonial de apresentação
Da neta do meu falecido irmão, o que debutou para o além desta vida...

A vida é Bárbara:
É eu debutando como vovô do sobrinho das minhas filhas!
14/12/06

DO PARTO DE POEMAS
À minha filha Luíza, no auge de seus poéticos 15 anos.

Como nasce um poema?
Posso responder por longa experiência própria
A fecundação de um poema se dá por insights
A partir de flashes de fatos e emoções vividas
Ou de pensamentos que brotam inesperadamente

Sua gestação tem duração muito variada
Pode nascer pronto, sem ser prematuro
Assim como pode ser anunciado por contrações
Que ocorrem na geração de uma idéia ou verso
Ou, ainda, de vários versos de uma só vez
Indicando, como água de placenta, a hora de dar a luz

Este é o momento criativo do conceber da concepção
Que é uma tempestade cerebral que se alastra
No sistema nervoso por todo o corpo
Energizando o poeta para o serviço de parto
Provocando associações de palavras, idéias e emoções
Num turbilhão de lembranças, sonhos e frustrações
Permeado de ideais, mitos e valores culturais
Que são processados aos milhões instantaneamente
De modo a inspirar a concepção do poema

Mesmo o verso mais singelo
Exige toda esta mobilização orgânica
Do criador criando a criatura
A partir de suas entranhas, feito num cordão umbilical
Numa relação simultânea de paternidade maternal

O mais das vezes, especialmente na maturidade
O ciclo da concepção se estende além da inspiração
Deixando-se o projeto em maturação na estufa da maternidade
Como um embrião fecundado numa proveta de ensaio
Até que o poema cumpra as suas metamorfoses naturais
E assuma a sua forma fetal definitiva, independente da inicial
Num processo em que o poeta é um mero parteiro

Incorporado pelas forças poderosas da criação
O poeta vai lapidando o diamante do poema...
Com lupa e pinça harmoniza as peças da composição
Aparando as arestas das palavras no ritmo das estrofes

Mas há também falsos alarmes poéticos
Em que nenhuma cesária consegue extrair o poema.

E, após o parto, igualmente fica aquela sensação de vazio
Da parte espiritual de nós, materializada em versos
Que passa a ter uma existência própria no mundo

Como nasce um poema?
Só parindo um para saber.
É um prazer viciante pela vida a fora
(Comecei ao 13 anos e ainda entro em transe, como agora)
É uma terapia que faz crescer a auto-compreensão do autor
Mas, mais do que tudo, o solitário processo de poetar
É descobrir a beleza das coisas na vida comum de cada um
É registrarmos o poético que é a consciência de estarmos vivos
Em suma, é viver a poesia do que se faz
E é fazer poesia do que se vive.
É indagar vivendo as indagações.
16/12/06

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