INDAGAÇÕES II

2004

Celso Pessoa
Tudo é fácil na vida
Quando a alma não está ferida.

ARMISTÍCIO
Um chopp gelado foi a gota que faltava
para que um conflito bélico fosse anunciado
algo como uma terceira guerra mundial
que, felizmente, submergiu nas praias das nossas costas
(onde tantas outras crises, como minas, jazem desativadas)
com seus possíveis arsenais de armas químicas e nucleares
contidas em explosivos barris renunciados de cerveja.
É mais uma vitória, aparentemente, da nossa diplomacia conjugal.

O Jardim Suspenso da Ipiranga
Alguma coisa acontece no coração da natureza
Quando ela cruza a Ipiranga com a Av. João Pessoa
Por baixo o riacho fétido de esgoto bruto e pluvial
Por cima a ponte suspendendo em seus canteiros de concreto
As oito palmeiras suspensas da minha Babilônia
Exibindo o fruto instável do desequilíbrio ecológico
Pra quem tiver olhos e coração para ver o milagre
Das garças brancas atravessando como nuvens solitárias
Por entre o jardim suspenso das palmeiras californianas
No cruzamento destas duas avenidas de Porto Alegre
Indiferentes à indiferença antiecológica dos portoalegrenses
Com suas descargas poluentes de esgoto, gasolina e óleo diesel.

CINQUENTENÁRIO
Não sou poeta o suficiente
pra dizer que chego aos cinqüenta
com os problemas sequer colocados
Mas de resolvido mesmo
só tenho esta consciência realística
a caro custo adquirida
de que sou do tamanho que sou
que posso sempre crescer, mas não muito
e, principalmente, que este é um bom tamanho
que me realiza, não todo, mas o bastante
pois permite o meu movimento moto-contínuo
de sempre perseguir novos e maiores prazeres
de sempre retirar das pequenas alegrias a energia
para sempre ter a energia de construir no dia-a-dia
possibilidades embriãs de momentos felizes
nem sempre realizados, mas sempre possíveis
E assim manter sempre o encantamento pela existência...

Mas pelo pouco de poeta que tenho
aproveito para, pelo menos, colocar o problema
de que eu não tinha muitas pessoas a quem convidar
para a festa do meu cinqüentenário.
No fundo continuei sendo a mesma alma solitária,
agora com meio século de consciência desta realidade...

But, in the after day,
no primeiro dia do resto da minha vida,
ultrapassada a muralha que divide a existência
em duas metades geralmente desiguais
a visibilidade da finitude do horizonte cinqüentão
tornou-se estarrecedoramente convincente:
Haja filosofia para iluminar a chama de vida
No túnel do seu derradeiro sopro!

AS FLORES DE PARIS
Agora eu já sei
Das flores que nascem do mal
Foi Baudelaire
Que teve que me explicar
Que é do mal
Que nasce o bem, amor.
Agora eu já sei
Que também é do bem
Que nasce o mal, amor
No jardim
Do Inferno de Rimbaud.

Dúvida Filosófica
Minha poética é espiritualista
E a minha prosa é materialista
Penso que sou um existencialista
Que é racionalisticamente empirista
Mas, porém, tenho sérias dúvidas.

Corpo & Alma
Este viver físico, sucessivo
Com um dia após o outro
Contínuo, sem intervalos
Sem uma folga para repousar
Sem podermos tirar férias desta vida
É que nos faz um potencial suicida.
Mas como tudo está determinado
nos insondáveis desígnios do Criador
Fica aqui a minha modesta sugestão
Para que no próximo dia do juízo final
Este modelo de existência sofra uma remodelação
Tal que possibilite o trânsito entre o físico e o espiritual
Logicamente que com pedágios de carga horária mínima
Para garantir que o mundo físico tenha continuação
E não haja uma debandada geral para o outro astral.

Metafísica
Sei que eu sou eu
Pelo corpo que tenho
Mas sei que o eu que sou
Não é o meu corpo...
O que é o meu eu?
Sei que eu sou eu
Pelo o que eu penso
Pois se penso, eu existo
Mas qual é o meu reino
Animal e/ou espiritual?
Que rei sou eu?

OCIDENTE
Ao Wittgenstein
Quando Aristóteles inventou o mundo
À grega, sob orientação platônica
E inspiração socrática
O Ocidente foi expulso do paraíso
Da contemplação silenciosa do hoje
Do eterno presente
E passou a buscar o sentido da vida
(Aquilo que se mostra e não pode ser dito)
Dentro dos limites da linguagem lógica.
Como se deve calar sobre o que não se pode falar
Toda a filosofia resultou em contra-sensos.
31/12/04

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