INDAGAÇÕES I

CADERNO DE RESERVAS POÉTICAS

“Ser poeta é ter-se um ofício como outro qualquer, por isto devemos cuidar de não perdermos nenhum de nossos achados ou descobertas, assim é recomendável a prática de um caderno de anotações destas reservas poéticas, para lançar-se mão na primeira oportunidade. Como serão empregadas não se sabe, mas o certo é que todas acabam sendo utilizadas.”
Maiacovski

I
Não consigo não ser quem sou
como não consigo ser quem não sou
Mas plenamente, com sinceridade
nem quem sou consigo ser
II
Pra começar
nem comecei
pelo começo
Pra terminar
Sim, terminei
pelo começo.
III
Nosso lance é o mesmo
que jogar no Maracanã lotado
com o povo todo alucinado
torcendo pelo nosso prazer...
IV
A idéia de pecado no prazer
que por milenar é lei madura
se aplica até no churrasco
pois a carne macia e gostosa
ou é junto ao osso com tutano
ou é junto a uma manta de gordura
V
Em um estado tal de excitação
com a sensibilidade aguçada
como se estivéssemos em carne-viva
na maravilhosa tortura concebida
entre o amante e a sua amada
VI
dúvidas divididas
são dívidas dissolvidas
devidas em outras vidas
VII
A lua suspensa
está cumprindo suspensão automática
no eterno campeonato
diante do cartão vermelho do sol.
VIII
Quem acha que uma vida é pouco
não me peça companhia nem apoio
pois eu sigo na minha e não me acanho
achando que pra este mundo de loucos
uma vida só está de bom tamanho.
IX
É...
eu ‘tou aqui
eu ‘tou no mundo
eu ‘tou na minha
ou ‘tou por baixo
ou ‘tou por cima
eu ‘tou na rinha.

X - Rodeio do Gorducho
E o piá da Dona Ciça
educado em escola pública
do primário ao superior
comeu do ruim e do pior
de São Diogo à capital
Mas, pelos 40’s passou a galope
com copa e mesa livres
comeu o do bom e o do melhor
mantendo o corpo firme e nos trincos
Porém, antes dos temidos 50`s
repecho divisor dos tempos
sem rédeas o corpo corcoveou
no lançante da coxilha dos 45’s
exigindo perícia de laço e maneias
pra controlar a disparada volumétrica
pela porteira da boca escancarada
faminta de prazeres e vícios
deste domado xirú criado guaxo.

XI - Umbigocentrismo
Sou solitário mas não um ermitão
necessito de apenas uma pessoa em minha ilha
Que seja mulher, mas não uma qualquer
tem que ser uma especial: amante, mãe e filha
uma pessoa completa para substituir todas as outras
Ela tem que ter bom humor, boas pernas e pouca barriga
e muita criatividade para manipular estes ingredientes
Por ela tem que florir poemas em todas as estações
Com ela o nós tem que ser um universo auto-suficiente.

XII
Seca poética...
nuvens descalças caminham
nas praias azuis do infinito
com a mente as espremo como à esponjas
sedento de gotas de poesia
mas delas não extraio nem um grito.
XIII
Sou normal...
Não sou o filho do bem
tampouco o filho do mal
transito nestes extremos
com a boa maldade natural.
XIV
Ter coragem e valentia
não significa ausência de medo
isto seria uma anomalia
pois é para o enfrentamento
ser justo e corajoso
que o medo tem a sua serventia.

XV - Saudável Saudade
Como inserir o elemento saudade
no cotidiano da vida da gente?
Como ficar longe de quem se gosta
quando se está gostando de ficar junto?
Sabemos que, de tanto ficar junto,
o ficar junto deixa de ficar bom
Mas como deixar de ficar junto
antes que o estar junto exija a separação?
Como deixar que a saudade
de não se estar junto promova a junção?
Como equilibrar esta balança
num balanço equilibrado?
Como fazer uma dinâmica
em que a saudade seja saudável para a união?
XVI
Ela, emergindo de um mergulho no mar
Com os cabelos escorridos no rosto
Como duas cachoeiras agrestes...

RAP DO CORTE TATUADO
Tá assim d mano
Q vive d sacanagem
Q pensa q é malandragem
Este viver encurralado
Tá assim d mano
Q vive d malandragem
Q pensa q é sacanagem
Este viver assalariado
Tá assim d mano
Q vive d molecagem
Q pensa q é tatuagem
O corte cicatrizado
Tá assim d mano
Q vive de bandidagem
Q pensa q é vadiagem
A vida do apenado
Tá assim d mano
Q vive só d miragem
Q pensa q é ter coragem
Ser do crime organizado
Tá assim d mano
Q não sabe nada
Tá assim de mano
Q é sabichão
Tá assim d mano
Doido nas paradas
Tá assim d mano
Na contravenção
Tá assim d mano
Sem rap, sem nada
Tá assim d mano
Sem orientação.

nov/2003

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